Por Marcos Resende
Não há dúvidas de que a crise causada pela pandemia do novo coronavírus tem muito a nos ensinar. Afinal, parece que são nas fases de maior dificuldade que nos deparamos com momentos mais reflexivos e atentamos para questões que envolvem não apenas o nosso cotidiano, o nosso universo particular, mas também o de outras pessoas. Parece óbvio dizer o quanto o coletivo impacta as nossas vidas, mas com o novo coronavírus realmente nos demos conta disso, de como nos afeta em diferentes esferas.
É comum também levarmos nossas memórias para eventos passados e traçar paralelos entre a crise corrente e outros momentos críticos, como guerra ou épocas de escassez aguda de um recurso.
No presente momento, as principais dificuldade encontradas têm sido a falta de recursos em diferentes segmentos. Da mesma forma que ocorre em situações de guerra, tem-se notado a insuficiência de profissionais da área da saúde para suportar as atividades do dia a dia, assim como a carência de materiais de proteção individual para aqueles que estão trabalhando na linha de frente e a ausência de equipamentos médico hospitalares.
Um caso que ganhou notoriedade nos noticiários brasileiros foi o dos respiradores artificiais adquiridos por diversos estados e que ficaram retidos no exterior. Segundo informações publicadas pelos veículos de comunicação, a empresa que vendeu os produtos para o Brasil cancelou a compra sem motivo aparente e que os mesmos acabaram sendo utilizados no combate ao novo coronavírus em outro país, que teria acertado pagar um valor maior à empresa que vendeu os equipamentos. O ocorrido causou uma distensão não imaginada na sociedade e nas relações entre os países envolvidos.
Diante desse ocorrido, há um questionamento que certamente passou pela cabeça de muitos brasileiros: por que nosso país é tão dependente de insumos de tecnologias vindas de fora?
Em situações como a que ocorreu com o Brasil é que percebemos a importância do conhecimento e das técnicas produtivas para o desenvolvimento dos recursos necessários para o enfrentamento da pandemia, ou de qualquer outro episódio que condicione o país a uma situação de evento não preditivo.
Mesmo para os países que possuem autonomia do conhecimento, a situação não é das mais favoráveis. Imagine para aqueles que dependem quase que totalmente dos insumos vindos do exterior. O estado se vê obrigado a desenvolver ou criar formas alternativas de suprir esta negação e buscar alternativas de produção a qualquer preço, sob pena de perder vidas durante os momentos mais graves.
No entanto, o desenvolvimento do conhecimento e de tecnologias críticas para uma nação é, geralmente, difícil e demorado e envolve questões como geração, transferência, absorção/adaptação e utilização. Para que isso saia do papel, é necessário consolidar uma visão estratégica em momentos de calmaria e prosperidade.
A visão estratégica da Força Aérea Brasileira (FAB) na consolidação de conhecimentos críticos para operação dos sistemas de gerenciamento de tráfego aéreo e de defesa aérea é um bom exemplo de autonomia tecnológica no país. E, desde os anos 1990, a organização vem investindo amplamente neste segmento. Primeiro com o sistema X-4000 de controle de tráfego aéreo, que permitiu a independência tecnológica e a sedimentação de conhecimento no país, e, a partir de 2011, com o Sistema Avançado de Gerenciamento de Informações de Tráfego Aéreo e Relatórios de Interesse Operacional (SAGITARIO), ambos desenvolvidos pela Atech, empresa nacional e pertencente ao Grupo Embraer. Antes do X-400 e do SAGITARIO, o sistema utilizado era importado e a cada atualização ou necessidade de manutenção o Brasil ficava refém do país desenvolvedor da solução. O SAGITARIO trouxe autonomia, modernidade, flexibilidade e melhor aproveitamento dos profissionais brasileiros para o gerenciamento do espaço aéreo nacional, para além dos benefícios relacionados diretamente à nossa economia, tendo se tornado um produto tipo exportação.
Embora estivesse há muitos anos utilizando os sistemas vindos do exterior no segmento de tráfego aéreo, a FAB se planejou e deu início à sua jornada de independência muito antes de 2011, reforçando o real valor do investimento na formação, desenvolvimento e manutenção de tecnologias próprias. Esse projeto não teria ganhado vida sem visão estratégica, planejamento, defesa da indústria e da capacitação nacional.
Na globalização, o vínculo entre conhecimento, poder, desenvolvimento e tecnologia é responsável pelo estabelecimento de diferenças econômicas e posições comerciais. Países como o Brasil, que estão em desenvolvimento e almejam ser menos dependentes devem se concentrar no estabelecimento de estratégias que elevem sua autonomia tecnológica, investindo em soluções próprias para problemas específicos, essencialmente os que tenham ligação estreita com setores-chave da economia, além de empregar esforços efetivos e contínuos em programas de pesquisa e inovação, incentivos ao desenvolvimento nacional, manutenção de conhecimentos críticos, desenvolvimento da indústria e preservação de empregos.
Marcos Resende é diretor de negócios da Atech