A Parceria Estratégica entre a Força Aérea e a Indústria de Defesa Brasileira
Um pilar fundamental para o fortalecimento da soberania e da autonomia tecnológica do Brasil, a parceria entre a Força Aérea Brasileira (FAB) e a indústria de defesa nacional tem se consolidado em um contexto global cada vez mais complexo e desafiador.
Neste cenário, o Comandante da Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno, reflete sobre a importância dessas colaborações estratégicas, compartilhando sua visão sobre o impacto das parcerias com a indústria de defesa, os avanços tecnológicos alcançados, as inovações sustentáveis implementadas, e os desafios e oportunidades que se apresentam para o futuro do setor.
Como o senhor avalia as contribuições das parcerias estratégicas com a indústria de defesa brasileira para desenvolvimento e manutenção de capacidades críticas?
Brigadeiro Damasceno – Para um país com as dimensões e a relevância geopolítica do Brasil, ter uma indústria aeronáutica e de defesa robusta é essencial. Além de garantir a nossa soberania e autonomia tecnológica, permite que tenhamos uma capacidade de resposta ágil e independente, frente a qualquer tipo de ameaça ou necessidade.
É importante destacar o quão robusta é a nossa base industrial de defesa que, nos atuais dias, dispõe de, aproximadamente, 290 empresas estratégicas, dentre as quais a Embraer, a AEL, a Atech e muitas outras. Juntas, são responsáveis por 2,2% dos empregos formais, equivalendo tal percentual a 2,9 milhões de postos de trabalho, o que representa cerca de 4,78% do nosso Produto Interno Bruto (PIB).
A Força Aérea Brasileira tem buscado estabelecer sólidas parcerias com o setor empresarial, visando ao fortalecimento de nossa indústria e à promoção de oportunidades de negócios e investimentos que beneficiem toda a sociedade. O desenvolvimento industrial gera inovação, mão de obra qualificada e benefícios econômicos significativos, reforçando o país não só no campo da defesa, mas também como um ator estratégico no cenário aeroespacial. Indubitavelmente, reconhecemos também o potencial dos empreendedores brasileiros para atender a essas demandas, não só de forma eficiente, como, principalmente, inovadora.
Quais são os principais projetos em colaboração com empresas brasileiras que estão fortalecendo a capacidade tecnológica da FAB?
Brigadeiro Damasceno – Quando um grupo de idealistas, liderado por Ozires Silva, inspirando-se na abnegação e perseverança do Marechal do Ar Casimiro Montenegro Filho, acreditou que o Brasil poderia ter uma sólida e promissora indústria aeroespacial, obstinadamente, puseram a decolar, no dia 22 de outubro de 1968, a primeira aeronave genuinamente brasileira: o Bandeirante, que ainda equipa a Força Aérea Brasileira, nos dias atuais, a qual estimulou a fabricação de aviões, em larga escala, no Brasil.
No amadurecimento do século XXI, a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) revelam-se pilares ainda mais fundamentais para dotar a Força Aérea Brasileira de meios cada vez mais avançados e que representem, de fato, fator dissuasório para a defesa de nosso país. É fundamental a aquisição de plataformas cada vez mais modernas para projetar a FAB e a indústria nacional como referência em inovação tecnológica.
Desde a concepção de projetos até o suporte na implementação de novas tecnologias, a FAB atua como catalisadora de inovação. Projetos como o KC-390 Millennium e o caça F-39 Gripen são exemplos claros de como a Força Aérea promove parcerias estratégicas, assegura a transferência de tecnologia e estimula a criação de uma base industrial sólida e autossuficiente.
Mais recentemente, a criação da empresa pública ALADA reforça o compromisso da FAB com o desenvolvimento de capacidades no setor espacial, ampliando ainda mais o alcance da nossa indústria. Ao criar demanda para produtos de alta complexidade e colaborar com empresas de todos os portes, como a Embraer e a AKAER, contribuímos não só para a segurança nacional, mas também para o desenvolvimento de um ecossistema tecnológico capaz de competir em nível global.
Em um futuro que já se descortina para a nossa Força, o Projeto KC-390 finalizará o seu desenvolvimento como a plataforma mais avançada do mundo na sua categoria, com respectivo potencial de vendas para outros países. O KC-390 Millenium, maior aeronave já produzida no Brasil, representa um marco no desenvolvimento tecnológico nacional.
Já o F-39 Gripen começa a entregar suas aeronaves para a operação junto à FAB, estabelecendo um patamar de operacionalidade e capacidade nunca antes experimentado. A montagem do F-39 Gripen no país permite impulsionar novas capacidades, com transferência de tecnologia e maior valor agregado, trazendo benefícios à economia brasileira através da geração de milhares de empregos para a sociedade e permitindo o desenvolvimento da nossa Base Industrial de Defesa (BID).
Em complemento a esses esforços, há que se destacar o papel crucial do ensino no fortalecimento da indústria brasileira de defesa. Nesse sentido, a implantação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em Fortaleza (CE) marca um avanço significativo para a inovação educacional e industrial na região.
Além disso, a FAB e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA) são pilares estratégicos no fortalecimento do Brasil como uma potência emergente no setor aeroespacial. O DCTA, situado em São José dos Campos (SP), é o coração da pesquisa e inovação tecnológica da FAB, com foco em áreas essenciais como desenvolvimento de aeronaves, veículos espaciais e sistemas avançados de defesa.
Um dos principais objetivos do DCTA é o avanço do Programa Espacial Brasileiro, destacando-se projetos como o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM-1). Este posiciona o Brasil entre os poucos países com a capacidade de realizar lançamentos espaciais de forma independente. O VLM-1 é um projeto fundamental para o lançamento de pequenos satélites, tornando o Brasil um concorrente direto no crescente mercado de microssatélites.
O DCTA também gerencia o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), um dos locais mais estratégicas do mundo para lançamentos espaciais, devido à sua localização próxima à linha do Equador, permitindo à FAB otimizar o consumo de combustível e aumentar a eficiência dos lançamentos. Essa infraestrutura oferece novas oportunidades de cooperação internacional, criando um ambiente favorável para parcerias e acordos com outras nações e agências espaciais.
O senhor poderia citar os avanços tecnológicos mais significativos alcançados através das parcerias entre a Força Aérea e a indústria de defesa e o que representam para o Brasil?
Brigadeiro Damasceno – A criação da Embraer é um marco na história do Brasil e no desenvolvimento do setor aeronáutico nacional. A Força Aérea Brasileira teve um papel pioneiro ao estabelecer, no início de 1950, instituições como o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA), que serviram como base para o desenvolvimento tecnológico no país. Tudo isso impulsionou a criação de um ecossistema de empresas de alta tecnologia no Brasil, que, hoje, são referência global.
A produção da aeronave de caça F-39 Gripen, no Brasil, e a sua inédita transferência de tecnologia se revelam como um marco histórico, ilustrando de maneira tangível esse comprometimento com um futuro de avanços. Sem falar da aeronave KC-390 Millennium, a qual nos faz sermos, hoje, capazes de produzir o maior cargueiro do hemisfério sul e da América Latina.
Como a FAB está integrando inovações tecnológicas e práticas sustentáveis nos projetos em conjunto com a indústria de defesa nacional?
Brigadeiro Damasceno – A Força Aérea Brasileira (FAB) está integrando inovações tecnológicas e práticas sustentáveis em seus projetos, por meio de parcerias com a indústria de defesa nacional. Um dos focos é o desenvolvimento de tecnologias verdes, com investimentos em soluções que minimizam o impacto ambiental, como o uso de biocombustíveis em aeronaves, visando à redução das emissões de carbono. Além disso, a FAB colabora com instituições de pesquisa e universidades para criar soluções inovadoras que atendam tanto às necessidades de defesa, quanto às demandas por sustentabilidade.
A capacitação e o treinamento de profissionais em práticas sustentáveis e no uso de tecnologias inovadoras garantem que a força de trabalho esteja preparada para os desafios do futuro. Como exemplos, é possível citarmos projetos como o KC-390 e o F-39 Gripen, que incorporam tecnologias que melhoram a eficiência energética, resultando em menor consumo de combustível e na redução de resíduos.
Precisamos continuar a investir na formação de profissionais capacitados, fomentar o desenvolvimento de startups e empresas que atuam em nichos complementares e expandir nossa participação em projetos internacionais. Dessa forma, consolidamos nossa posição como liderança no hemisfério sul e ampliamos nosso alcance global.
Por fim, ao engajar-se com a indústria de defesa nacional, a FAB promove a adoção de práticas sustentáveis e tecnologias de ponta, impulsionando a inovação no setor. Essas iniciativas refletem o compromisso da FAB em alinhar suas operações com as exigências contemporâneas de sustentabilidade e inovação, contribuindo para um futuro mais sustentável na defesa do país.
Quais são os principais desafios das parcerias com a indústria de defesa brasileira, e quais são as oportunidades para o futuro? e como garantir que essa colaboração seja duradoura e eficiente?
Brigadeiro Damasceno – A Base Industrial de Defesa demanda investimentos permanentes e orçamento previsível para que as Forças Armadas mantenham sua capacidade dissuasória, sejam operacionalmente modernas e atuem de forma integrada para a defesa dos interesses nacionais.
Para que possa se consolidar com sucesso, a BID depende do trabalho conjunto e harmônico do setor produtivo, concentrado essencialmente na iniciativa privada, com o setor de desenvolvimento, a cargo do Estado.
Ter um bom relacionamento com as Forças e demais Órgãos de Defesa e Segurança é de fundamental importância para a indústria de defesa. Temos favorecido essa troca de experiências e o aprimoramento do setor.
Podemos dizer que uma base industrial de defesa sólida não só garante a segurança e a soberania de um país, mas também gera impactos significativos no desenvolvimento social e na economia.
De que forma a Mostra BID Brasil contribui para o fortalecimento das relações entre a Força Aérea e a indústria de defesa nacional, e quais são suas expectativas para a oitava edição do evento?
Brigadeiro Damasceno – Os feitos da indústria nacional são resultados do trabalho de uma classe comprometida com a constante evolução tecnológica e com o progresso do Brasil, e serve de orgulho para nós. Nessa mostra, ficam evidenciadas as parcerias desenvolvidas com a indústria e ressaltadas inúmeras vantagens tanto para o Estado quanto para as próprias empresas.
O Comando da Aeronáutica reforça sempre a necessidade de consolidação de parcerias para encontrar soluções que aproveitem as capacidades da base industrial de defesa nacional e estimulem a consolidação de um modelo de negócios, com incremento da sinergia entre a indústria e o Estado.
Que continuemos na busca da promoção de condições que permitam alavancar a base industrial de defesa e que possam contribuir para a consecução de objetivos relacionados à segurança ou à defesa do Brasil.