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Por Talita Zanelato Braga do Carmo

Os contratos de transferência de tecnologia podem ser divididos entre contratos de tecnologia com categoria simples ou complexa. Na primeira, há a ocorrência de apenas uma autorização de uso ou transferência de titularidade de um conjunto de conhecimentos tecnológicos amparados pelo Direito de Propriedade Industrial. Na segunda, os contratos contam com diferentes tipos de elementos, seja de negócios típicos ou atípicos, para juntos configurarem a transferência de uma tecnologia[i], muito em virtude da autonomia de  vontade  dos contratantes.

Visando a facilitar o entendimento deste artigo, vamos nos ater à estrutura do contrato de licenciamento, que é uma das formas mais utilizadas se transferir tecnologia, cujos elementos de confecção são base para as demais figuras contratuais, não possuindo uma estrutura determinada em lei, o que faz com que a autonomia da vontade tenha um papel muito relevante na sua estruturação.

O contrato de licenciamento pode ser definido como aquele em que o titular de algum direito de propriedade industrial concede uma autorização para exploração do conhecimento protegido por esse direito a um terceiro. Em outras palavras, o licenciante faz uma promessa de não exercer o seu poder de proibir o uso e a exploração do direito que é objeto do contrato, sendo um contrato atípico, ou seja, sem regulamentação de sua estrutura[ii].

Os termos contratuais do licenciamento mais comumente utilizados estão vinculados com o nível da demanda pela tecnologia, quais sejam: valor dos royalties (remuneração pelo uso da tecnologia), prazo de vigência (determinada ou perpétuo), existência ou não de exclusividade (avaliação se uma determinada empresa tem a capacidade de atender completamente um dado mercado), assimetria de informação e risco de imitação (informar dados que podem gerar cópia da tecnologia), dentre outros.

Todavia, há outras disposições que estabelecem as condições contratuais que podem restringir substancialmente o campo de atuação e até as possibilidades de lucro do receptor da tecnologia ao ponto de serem consideradas abusivas e até mesmo impedirem uma efetiva transferência tecnológica.

Referidas cláusulas restritivas geralmente decorrem do poder de barganha por parte da produtora de tecnologia que se utiliza desta para manter ou fortalecer sua posição de mercado, no entanto, determinar se a restrição é abusiva ou não dependerá de avaliação do contrato como um todo.

Destacam-se a seguir algumas dessas disposições:

  • Grant Back. O produtor faz com que o receptor da tecnologia abra mão de todos seus direitos referentes às melhorias na tecnologia que o receptor desenvolveu com os seus próprios recursos. Desse modo, essa cláusula pode fazer com que produtor se aproprie indevidamente de tecnologias desenvolvidas pelo receptor e ainda limitar as suas possibilidades de desenvolvimento de novos produtos;
  • Cláusula de limitação das possibilidades de apresentação de ações de nulidade em relação aos direitos do licenciante, pode impedir, por exemplo, um licenciado de ter a chance de utilizar a tecnologia sem ter que pagar royalties, caso encontre alguma invalidade em relação à patente;
  • Cláusula de impedimento de pesquisas e adaptações em relação à tecnologia transferida;
  • Exclusive dealing provisions, impondo limitação à livre concorrência de comercialização da tecnologia;
  • Cláusula de restrição de exportação de tecnologias que não são protegidas por direito de propriedade industrial e, portanto, não estão condicionadas às limitações de territorialidade;
  • Cláusula de fixação de taxas de remuneração com base no nível total de vendas do receptor da tecnologia, independentemente de a tecnologia objeto do contrato ter sido utilizada nessas vendas.

No Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), as principais disposições sobre cláusulas restritivas estão em seu artigo 40, do qual vale citar o primeiro e segundo parágrafo e que estão mais relacionadas à abordagem concorrencial do tema:

40.1 – Os Membros concordam que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia.

40.2 – Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivos, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro (ACORDO…, 1994).

A Divisão Antitruste do Departamento de Justiça norte-americano também criou as chamadas “Diretrizes Antitruste para o Licenciamento de Intelectuais Propriedade”, em que o licenciamento passou a ser visto como um fator pró-competitivo [iii]. No Mercado Comum Europeu, o Regulamento 772 do Mercado Comum Europeu tratou das regras de concorrência específicas para os contratos de transferência de tecnologia, flexibilização a relação contratual.

A legislação antitruste brasileira foi influenciada pela norte-americana e pela europeia e, muitas vezes, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE se baseia na jurisprudência desses locais para tomar decisões relacionadas à propriedade intelectual e abusos concorrenciais, entretanto, não há no Brasil parâmetros específicos para identificar quais cláusulas são consideradas restritivas, cabendo ao INPI avaliar se as disposições são passíveis de rejeição pelo órgão em função de eventual abuso nelas contidos.

Por isso, é importante destacar transferências mal estruturadas e sobre as quais incidem cláusulas restritivas, podem trazer sérios problemas para o país receptor da tecnologia, como fomento do desemprego ou subemprego e prejuízos a indústria local devido a distorções nos preços dos insumos tecnológicos importados e a criação incentivos artificiais para tais importações[iv]. Por isso, a necessidade de a indústria brasileira negociar seriamente tais disposições contratuais.

contratos* Talita Zanelato Braga do Carmo é advogada atuante na área de Direito Societário e Compliance. Sócia do escritório Zanelato Braga Advogados. Membro do IAPP (International Association of Privacy Professionals)

[i] GAITÁN GUERRERO, Manuel. Los contratos de transferencia internacional de tecnología: América Latina, Estados Unidos y la Unión Europea. Bogotá: Universidad externado de Colombia, 2014. não paginado. Disponível em: http://books.openedition.org/uec/1100.

[ii] BARBOSA, Denis. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

[iii] GILBERT, Richard; SHAPIRO, Carl. Antitrust issues in the licensing of intellectual property: the nine No-No’s meet the nineties. Brookings Papers on Economic Activity, [S. l.], 1997. Disponível em: https://www.brookings.edu/bpea-articles/antitrust-issues-in-the-licensing-of- intellectual-property-the-nine-no-nos-meet-the-nineties/

[iv] CABANELLAS DE LAS CUEVAS, Guillermo. Contratos de licencia y transferencia de tecnología en el derecho económico. 2. ed. Buenos Aires: Heliasta S.R.L., 2010.

 

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