Pesquisa para Inovação – Cada vez mais as empresas buscam aprimorar o controle de projetos de inovação e desenvolvimento de produtos — especialmente quando eles envolvem a colaboração entre empresas. Nesse cenário, ter uma ferramenta que permita fazer o processo de forma transparente, fluida e ágil torna o trabalho mais descomplicado.
Foi isso o que motivou a especialista em gestão de projetos, technology roadmapping e blockchain Isabela Piccirillo a criar uma plataforma para otimizar a gestão colaborativa de projetos. O sistema permite gerenciar expectativas e propriedade intelectual enquanto garante a segurança jurídica.
Quando a proposta ainda era uma pesquisa de doutorado, a engenheira de produção a apresentou em um encontro na Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Lá, empresas de diversos setores demonstraram interesse na solução. “Eu nem pensava em transformar o estudo em um produto, mas notei a dificuldade que as empresas têm para gerenciar projetos colaborativos, especialmente em relação ao alinhamento de expectativas e à gestão de propriedade intelectual”, conta Piccirillo.
Isso porque, quando um produto é desenvolvido de forma colaborativa, a gestão da propriedade intelectual é complexa, porque as especificações e os requisitos mudam ao longo do projeto. “Nesse contexto, as empresas precisam garantir que todos estejam de acordo com as alterações e contribuições para que, no fim, possam gerenciar royalties e patentes de forma justa.”
A especialista, então, decidiu transformar a pesquisa acadêmica em produto e, depois, em empresa. Chamada de Lotik, a startup tem apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. “No PIPE Empreendedor [programa de treinamento oferecido pela FAPESP para empresas apoiadas pelo PIPE aprimorarem seus planos de negócios], tive orienta&c cedil;ão para determinar o modelo de negócio. Chegamos à conclusão de que acurácia, agilidade e segurança jurídica eram os principais aspectos para o alinhamento de expectativa ao longo de colaborações entre diferentes empresas. Por isso, esses são os pilares da plataforma.”
Ainda no PIPE Empreendedor, ficou claro que grandes empresas se beneficiam muito com a adoção da plataforma — embora ela tenha sido projetada para atender de startups a grandes corporações. “Grandes empresas normalmente têm muitos projetos ao mesmo tempo. Com isso, pode haver dificuldade para administrá-los porque, em geral, as plataformas utilizadas não têm recursos para auxiliar nas alterações e nos consensos ao longo do processo.”
Tecnologia e método são destaques
Na plataforma da Lotik, uma das principais vantagens é o uso de uma tecnologia similar ao blockchain, que garante a imutabilidade e a rastreabilidade das informações. “Assim, as alterações são registradas de forma definitiva. Isso traz mais confiança, garante segurança jurídica e evita disputas em relação a autor e data, por exemplo.”
A partir dessa premissa, surgiu o nome da empresa, que busca representar dinamismo, transparência e fluidez, e foi inspirado nos ecossistemas aquáticos lóticos. “A água tem movimento, é transparente e fluida. Esse nome descreve o que a gente busca, que é garantir essa transparência entre as empresas.”
Em projetos colaborativos, é essencial que as expectativas de todos os envolvidos estejam alinhadas, especialmente sobre mudanças em especificações. “Nossa tecnologia pode fazer a diferença no dia a dia das empresas, pois ajuda a reduzir custos e a melhorar a eficiência de projetos colaborativos.”
Necessidades do mercado
Isabela participou do 8º ciclo do Academia-Industry Training (AIT), um programa apoiado pela Universidade de St. Gallen que auxilia pesquisadores empreendedores do Brasil e da Suíça no desenvolvimento de seus projetos. Lá, eles são guiados na criação da aplicação de mercado a partir de suas pesquisas de alto nível, bem como trabalham juntos para compartilhar melhores práticas, entender novos mercados e criar sinergias.
Nesse processo, a pesquisadora recebeu um treinamento no Brasil e outro na Suíça. Além disso, ficou em terceiro lugar na competição incluída no programa. Durante a imersão na Suíça, percebeu que existe uma demanda grande para a solução no exterior. “Por isso, desde o início, a plataforma está disponível em inglês e a expectativa é expandir seu alcance, no Brasil e em outros países. Queremos fechar parcerias com pelo menos mais cinco empresas neste ano — uma ou mais delas no mercado internacional.”
Para a empreendedora, a inovação tecnológica aliada à pesquisa acadêmica pode resultar em soluções práticas e úteis para o mercado. “O projeto continua a evoluir para facilitar a colaboração entre empresas em um cenário cada vez mais dinâmico e competitivo. As conquistas nos mostram que estamos no caminho certo e como é possível unir conhecimento e empreendedorismo na universidade.”
Em teste
Atualmente, o sistema está em testes na WEG e em um renomado instituto de pesquisa tecnológica. E, apesar de já estar em teste em empresas, o sistema não para de receber melhorias. Isabela planeja continuar a aprimorar a plataforma com base no feedback dos parceiros. “A Lotik já se prepara para se tornar referência em soluções para a gestão de inovações colaborativas. Estamos apenas começando: queremos crescer, aprimorar constantemente a plataforma e expandir para novos mercados.”
Outra vantagem de usar o sistema é a possibilidade de economizar recursos humanos e de tempo. “Como a solução facilita a gestão, há redução na quantidade de profissionais necessários para o gerenciamento. Os dados ficam disponíveis em tempo real, ao contrário de um processo comum, em que se leva muito tempo para averiguar as informações e atualizar os requisitos.”
Para o usuário, a operação da plataforma é simples, mas, para isso, a pesquisa foi intensa e tem como base a gestão ágil de projetos — conduzida no Centro de Gestão de Inovação (Cegis) da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC/USP). “Às vezes, uma empresa quer colaborar, mas tem receio de expor informações. A solução busca simplificar esses processos e tornar a colaboração mais efetiva.”
Empreendedorismo feminino
A engenheira de produção aponta que o caminho para as mulheres no empreendedorismo ainda é desafiador, especialmente em ambientes predominantemente masculinos, como o setor de tecnologia. Ela lembra que, além das dificuldades técnicas e financeiras, é necessário equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal. “Muitas vezes, temos de lidar com preconceitos e com a sobrecarga de responsabilidades domésticas e familiares”, avalia. “Mesmo assim, com persistência e apoio, podemos quebrar barreiras e alcançar o sucesso.”
Isabela destaca que a maior dificuldade foi conciliar a pesquisa com as exigências de negócios, ainda mais sendo mãe de duas filhas pequenas. “Como empreendedora, há tanto momentos de grande entusiasmo, quando se conquista uma parceria ou um investimento, por exemplo, quanto de incerteza, principalmente quando não se tem os recursos necessários para expandir rapidamente”, detalha. “Ser empreendedora, principalmente na área de tecnologia, exige muita persistência.”
As informações são da FAPESP.