O projeto de economia de defesa tem o objetivo de analisar a economia de defesa a partir da realidade brasileira
Na última quarta-feira, foi realizado o 1º Seminário Nacional Economia de Defesa (SENED), no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no estado de São Paulo. O evento reuniu instituições de ensino superior e representantes do setor. A Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE) foi apoiadora oficial do evento e teve participação no seminário presencial.
A cerimônia de abertura contou com a presença do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles; do Diretor do Instituto de Economia da instituição, Dr. Célio Hiratuka; do presidente do Conselho Diretor da ABIMDE, Dr. Roberto Gallo; e do coordenador do projeto Pró-Defesa IV da Unicamp, Dr. Marcos José Barbieri Ferreira.
Durante a seminário, discutiu-se a importância da defesa nacional e da indústria de defesa no contexto global e brasileiro. Foi mencionado o papel do Estado no desenvolvimento de tecnologias fundamentais, como as que estão presentes em dispositivos como os smartphones, e a importância da área de defesa na busca por avanços tecnológicos e inovação.
O Dr. Barbieri falou sobre o projeto de economia de defesa, destacando sua natureza colaborativa entre seis instituições e a extensão do projeto devido à pandemia. O objetivo do projeto é analisar a economia de defesa a partir da realidade brasileira e de um país em desenvolvimento, aplicando conceitos econômicos para entender essa realidade.
A seguir, o Dr .Gallo falou sobre a necessidade de uma indústria de defesa nacional, que não pode depender de tecnologia estrangeira para defesa, sendo isso evidenciado por exemplos históricos como a Guerra das Malvinas e a situação atual na Ucrânia. A coordenação de pensamentos estratégicos e ações em prol de objetivos nacionais foi considerada essencial.
O reitor da Unicamp expressou seu desejo de retomar o papel da universidade na discussão de questões estratégicas nacionais e destacou a importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento econômico e industrial do país. Ele citou exemplos de sucesso em biotecnologia e na indústria sucroalcooleira como evidência do potencial brasileiro em desenvolvimento autônomo de ciência e tecnologia. A pandemia e a guerra na Ucrânia foram mencionadas como eventos que reforçam a necessidade de um país estar preparado para se defender e, neste sentido, ter uma indústria de defesa moderna e robusta é essencial.
A palestra de abertura foi realizada pelo Professor de Economia da Defesa da Universidad Complutense de Madrid (UCM), Dr. Antonio Fonfría da Mesa. Em sua apresentação o professor abordou a economia de defesa, enfocando na demanda e oferta do setor, além de trazer exemplos da Espanha e da Europa. Ele discutiu a importância de políticas econômicas e acordos internacionais para o desenvolvimento da indústria de defesa.
Orçamento de Defesa
Durante o seminário foram discutidos diversos aspectos do orçamento de defesa, com foco na importância de se pensar estrategicamente sobre a aplicação dos recursos e a capacidade de defesa que eles criam para o Estado Nacional. O evento contou com a participação de especialistas na área, que abordaram temas como a importância do evento para difusão do conhecimento, a relevância da economia de defesa para os estados modernos, e a necessidade de reflexão e estudo sobre o assunto, dada sua complexidade e as particularidades de cada país.
A professora Patrícia Matos, da Universidade da Força Aérea, discutiu a estrutura do orçamento de defesa brasileiro, altamente concentrada em despesas com pessoal, e as dificuldades de modificar essa situação. Ela também abordou a questão do efetivo militar e comparou com outros países, indicando que o Brasil não tem um efetivo desproporcional em relação à sua população.
Patrícia mencionou a proposta de emenda constitucional para aumentar o orçamento de defesa para 2% do PIB e a necessidade de regulamentação clara para garantir que os recursos sejam utilizados de maneira estratégica, em uma política industrial que vise a autonomia tecnológica e o robustecimento da capacidade produtiva.
O diretor do Departamento de Desenvolvimento da Indústria de Alta Complexidade Tecnológica do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Luiz Felipe Gesteira, falou sobre a relação entre orçamento de defesa e desenvolvimento industrial e tecnológico, destacando a importância da base industrial de defesa para a estabilidade política do Brasil. Ele também abordou a tendência de queda do orçamento de defesa brasileiro e a preocupação com essa diminuição, especialmente em comparação com o padrão mundial.
O Professor da Escola Superior de Defesa (ESD), Dr. Peterson Ferreira da Silva, discutiu os gastos militares dos países da OTAN, enfatizando que a meta de gastar 2% do PIB em defesa é um objetivo, e não uma realidade para todos os países membros. Ele ressaltou a importância de investir em tecnologia para manter a capacidade de defesa e apresentou dados sobre a distribuição dos gastos militares entre pessoal, equipamento e operações.
Ao final, foi destacada a necessidade de um pensamento estratégico para orientar as ações do Estado na defesa e a importância da sociedade em participar desse debate, definindo as prioridades para a segurança nacional. A discussão apontou para a necessidade de um pacto social que garanta uma visão de longo prazo para os gastos em defesa, evitando oscilações que comprometam a capacidade das Forças Armadas e da indústria de defesa.
Base Industrial de Defesa
No período da tarde, a segunda mesa de discussão teve como tema: a Base Industrial de Defesa (BID), com a coordenação do Dr. Marcos Barbieri, da Unicamp e a presença do Dr. Roberto Gallo (ABIMDE), do Dr. Thiago Caliari (ITA) e da Dra. Erika Cristina Barbosa de Almeida Ribeiro (Escola Naval). Durante o encontro, a BID foi abordada tanto pela perspectiva da demanda quanto da oferta, e a inovação foi apontada como um elemento que permeia todo o processo.
O Dr. Roberto Gallo, que tem vasta experiência em criptografia, defesa cibernética e inteligência, foi apresentado como o primeiro debatedor. Ele possui mestrado e doutorado em Ciências da Computação pela Unicamp e mais de uma dezena de artigos publicados sobre o tema. É o fundador e diretor-geral da Kryptus S.A. e presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE).
Em sua apresentação, o Dr. Gallo destacou a capacidade da BID brasileira, composta por cerca de 1.500 empresas, incluindo fornecedores diretos e colaterais, mas explicou que o “núcleo duro” da defesa é significativamente menor, com cerca de 150 a 200 empresas. A ABIMDE congrega a maioria dessas empresas e representa 98% do PIB exportador de defesa do país. Ele mencionou a importância das exportações para a indústria de defesa, que superam as compras do Estado brasileiro, e a necessidade de manter e inovar a capacidade produtiva nacional.
O presidente da ABIMDE também abordou a questão dos programas estratégicos de defesa e a situação crítica de pequenas e médias empresas que enfrentam riscos de falência devido à drástica redução e falta de previsibilidade do orçamento de defesa e à ausência de novos programas nos últimos anos. Ele enfatizou a relevância de algumas empresas para a estratégia nacional e a necessidade de uma política pública mais inteligente para manter a capacidade produtiva.
Na sequência, o Dr. Tiago Caliari, com experiência em economia industrial e políticas públicas, apresentou uma metodologia para avaliação de políticas públicas baseada em complexidade econômica e estrutura de redes. A metodologia visa identificar setores com potencial de transbordamento de conhecimento e valor agregado, sugerindo uma direção para políticas industriais. Caliari aplicou essa técnica aos dados de compras do Ministério da Defesa, identificando sinergias industriais relevantes para a BID.
A Dra. Érica Cristina Barbosa de Almeida Ribeiro discutiu a aplicação de teorias e ferramentas da economia regional para identificar clusters industriais relacionados à BID. Utilizando dados de emprego formal de 2020, ela identificou municípios especializados em setores industriais relacionados com defesa como fabricação de aeronaves e embarcações. Érica sugeriu que os resultados poderiam subsidiar políticas públicas locais e nacionais para impulsionar a economia a partir da indústria de defesa.
Ciência, Tecnologia e Defesa
Os produtos de defesa, particularmente os de caráter estratégicos, são caracterizados pelo elevado nível de sofisticação tecnológica. Desta maneira, a terceira e última mesa avançou na discussão da temática da Ciência e Tecnologia na Defesa, tendo como coordenador o Dr. William de Sousa Moreira (EGN) e como debatedores, o Dr. Mariano Laplane (UNICAMP), o Ms. William Rospendowski (FINEP) e o Dr. Augusto Abreu de Moura (EGN/UFF).
O Ms. William Rospendowski, superintendente da área de inovação da Finep, que engloba os setores Aeroespacial, Defesa e Segurança, foi o primeiro debatedor da mesa. Ele iniciou, apresentando as particularidades do setor de defesa, enfatizando a importância das inovações geradas por este setor para promoção do desenvolvimento tecnológico de toda estrutura produtiva. Na sequência, avançou para discussão da importância da FINEP para o financiamento dos projetos estratégicos de defesa, detalhando as especificidades da última chamada realizada para os setores de defesa e aeroespacial.
Posteriormente, o Dr. Augusto Abreu de Moura, professor aposentado do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM) da EGN, atualmente, pesquisador colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha do Brasil (CEPE-MB) fez sua apresentação. Ele mostrou um estudo que compara as principais políticas científicas, tecnológicas e industriais voltadas ao desenvolvimento de tecnologias duais (civis e militares), que foram e estão sendo implementadas pelo Brasil e pelas principais potências mundiais.
Por sua vez, o Dr. Mariano Laplane, professor do Instituto de Economia da UNICAMP e ex-presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CGEE), em Brasília, realizou uma ampla análise do contexto geopolítico atual e dos desafios e possibilidades nos quais o Brasil está inserido. Nesta análise, ele chamou a atenção para a necessidade das políticas públicas serem arrojadas e, ao mesmo tempo, não estarem descoladas da realidade.
Ao final do evento, o coordenador geral do projeto Pró-Defesa IV, Dr. Marcos José Barbieri Ferreira, realizou os agradecimentos, destacando a importância do apoio institucional da ABIMDE para a realização do 1º Seminário Nacional Economia de Defesa.