“Nós temos um gasto militar que 75% são com pessoal, seja pessoas que estão na ativa ou uma parcela muito grande de pessoas que estão na inatividade. Esse custo de pessoal é muito alto. Nós precisamos achar soluções para isso, para que a gente possa ter uma parcela maior do Orçamento dedicada ao desenvolvimento e à compra de materiais de defesa. Como resolver isso? Nós precisamos encontrar soluções, principalmente para garantir a Previdência dos militares de uma forma, talvez, mais inovadora”, explica o deputado.
A opinião é compartilhada por Marcos José Barbieri Ferreira, economista e especialista em indústria aeroespacial e defesa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele destaca que apesar dos avanços importantes vivenciados, os investimentos ainda são insuficientes para garantir uma indústria de defesa nacional robusta e adequada.
“Quando nós verificamos o orçamento de defesa brasileiro, o que é gasto em defesa no Brasil em relação ao PIB, verificamos que, nas duas primeiras décadas deste século, destinamos ao orçamento total de defesa 1,4% do PIB apenas. Para que nós possamos ter uma comparação, em âmbito mundial esse valor nesse mesmo período foi de 2,2% do PIB. Quer dizer, nas duas primeiras décadas do século XXI o mundo gastou, em média, 2,2% do PIB em defesa”, explica o especialista.
Ferreira afirma que nos últimos anos houve um aumento global no investimento em defesa, por conta da eclosão de conflitos em várias partes do mundo. Em contraponto, no Brasil houve uma redução do investimento no setor.
“Nós já gastávamos um valor baixo, [se] comparado internacionalmente, e nos últimos anos nós temos um aumento dessa diferença. Enquanto o mundo está tendo um orçamento maior em defesa, o Brasil vem reduzindo esse orçamento.”
Assim como Zarattini, Ferreira chama a atenção para a forma como o orçamento destinado ao Ministério da Defesa é aplicado.
“Uma parte vai para pessoal, seja da ativa ou aposentados, uma parte vai para custeio, para as operações, e uma parte vai para investimento, para novas instalações, para compra de novos equipamentos, produtos estratégicos, armas leves, munições. A parcela desse orçamento que é destinada a investimento, nas duas primeiras décadas, foi apenas de 8,8%. Então, daquele 1,4% do PIB gasto em defesa, apenas 8,8% desse montante foi destinado a investimentos”, explica o especialista.
“Para que você tenha uma comparação internacional, na OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], a diretriz colocada era a de que os países destinassem 2% do PIB para defesa, e desses 2% pelo menos 20% fossem destinados a investimentos. E a maioria, a maior parte dos países da OTAN, investe uma porcentagem maior. No Brasil, nós estamos gastando 1,4% e investindo 8,8%, quer dizer, muito aquém das nossas necessidades, muito aquém do que é visto em âmbito mundial. Isso reflete em uma estrutura de defesa aquém das nossas necessidades, muito mais se considerar o fato de nós termos um país continental, com uma população ampla, com uma posição geopolítica ativa, com recursos naturais em alimentos, em energia, somos um importantíssimo player mundial em alimentos”, complementa.
Fernanda Nanci, professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro (Unilasalle-RJ), destaca que o Brasil já teve uma indústria de defesa forte na década de 1970, mas aponta que o setor passou por um sucateamento nas décadas seguintes.
Ela sublinha que embora o Brasil não tenha inimigos nem seja alvo de ameaças diretas, “é um país que tem um vasto território e não pode ser dependente de tecnologia externa de defesa”.
“Independentemente de os conflitos existirem, o Brasil é um país que (pela sua própria natureza, sua própria dimensão) precisa se preocupar.”
Sobre o desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, conhecida pela sigla BID, ela afirma que já existem iniciativas de fomento feitas há algum tempo, no âmbito de diferentes governos, com destaque para as gestões petistas.
“Nesse aspecto eu queria chamar a atenção especificamente para os governos petistas. O governo Lula teve uma tentativa de se aproximar dos militares, organizou a casa, que é o Ministério da Defesa. A gente teve várias fases do Ministério da Defesa até chegar em uma maior maturidade, no governo Lula. E um dos aspectos do Ministério da Defesa no governo Lula era fortalecer a Base Industrial de Defesa”, diz a professora.
“Essa política de fortalecimento fica muito no plano retórico, mas existem algumas legislações que foram emitidas com a intenção de trazer esse fomento à BID, e a gente tem no governo da Dilma [Rousseff] a indicação de Celso Amorim como ministro da Defesa. E o Celso Amorim, como ministro da Defesa, teve também essa orientação de fortalecimento da BID, falava muito, inclusive, sobre isso. Tem vários discursos dele falando sobre a importância de a gente ter a BID forte, robusta, para que o Brasil pudesse investir efetivamente em defesa, reforçar a sua capacidade de defesa”, complementa.
Qual a importância de alcançar a soberania tecnológica em defesa?
Ferreira aponta que um dos pontos positivos da frente parlamentar proposta por Zarattini seria o aprimoramento da
capacitação tecnológica na indústria de defesa nacional.
“Nós temos uma capacitação tecnológica na indústria de defesa muito boa, que o Brasil vem desenvolvendo ao longo de décadas, com competência e esforço. Mas por falta de recurso, apoio e incentivo, muitos projetos têm se perdido ao longo do tempo. Empresas nacionais têm ido à falência, têm sido vendidas para concorrentes estrangeiros, empresas que nós estamos perdendo. E essas [perdas de] empresas significam o quê? Perda também de competência tecnológica”, explica.
“O esforço de décadas para desenvolver, por exemplo, um míssil, que não é adquirido por falta de recursos. E aí toda aquela competência que foi feita, aquele projeto de 20, 30, 40 anos, muitas vezes uma competência que foi sendo adquirida ao longo do tempo, ela é perdida. Então é fundamental, é muito importante essa proposta de frente em apoio à Base Industrial de Defesa para que se leve essa discussão ao Congresso Nacional”, complementa.
Ele afirma que o Brasil deve possuir autonomia produtiva e, sobretudo, tecnológica, de forma a não ficar dependente de tecnologia estrangeira em um setor crítico como a defesa nacional.
“Nós devemos ter não apenas equipamentos, mas produtos estratégicos de defesa, desde elementos mais básicos, como munições, armas leves, até equipamentos mais sofisticados, como fragatas, submarinos, aviões de caça, sistemas de controle e defesa aérea, de comunicações seguras. Nós precisamos ter uma autonomia, senão vamos imaginar que o Brasil tenha recursos, mas se esses recursos foram destinados apenas à aquisição de produtos no exterior, nós vamos manter uma dependência. No caso de um conflito, o país vai estar totalmente dependente dos fornecedores.”
Zarattini, por sua vez, destaca que a estratégia nacional de defesa deve também prezar pela busca da maior autonomia possível na fabricação de produtos de defesa e militares. Ele afirma que a criação da frente tem o apoio do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e a expectativa é que o ministro auxilie a frente no desenvolvimento de suas atividades.
“Por exemplo, antigamente as Forças Armadas convidavam parlamentares para visitar instalações, projetos, e hoje a gente não vê mais isso. Então um dos objetivos da frente também é fazer com que um maior número de congressistas conheça esses locais. Nós temos a nossa produção de submarinos em Itaguaí, que praticamente nenhum parlamentar conhece. Temos o nosso sistema de controle aéreo, que muito poucos parlamentares também conhecem. Então nós precisamos fazer com que esses equipamentos importantes cheguem ao conhecimento visual, conhecimento local da maioria dos parlamentares. Nós temos lá, por exemplo, a base de lançamento de Alcântara, que tem que ser conhecida pelos parlamentares.”
Frente vai trazer para a sociedade o debate sobre defesa nacional
Ferreira destaca que a criação da frente parlamentar terá como efeito trazer para os holofotes o debate sobre a importância da defesa nacional, envolvendo também a sociedade e a mídia no assunto.
“É muito importante que essa discussão seja levada para a sociedade e seja levada para o Congresso Nacional. […] Nesse sentido, a proposta do deputado Carlos Zarattini é essencial, é muito importante. É uma frente que possa reunir parlamentares de diversos partidos, de diversas correntes, diversos representantes da sociedade, de diversos estados, de diversas regiões do Brasil, e que passem a discutir a importância da defesa nacional e de que maneira podemos defender, fortalecer, estruturar uma base industrial de defesa, que o Brasil tenha autonomia tecnológica, empresas nacionais fortes.”
Fernanda Nanci afirma que a defesa muitas vezes é tratada como um tema específico para técnicos e militares, quando na realidade se trata de uma política pública.
“A defesa é uma política pública, ela é de interesse de toda a sociedade, então a gente está falando de uma frente parlamentar que vai trazer luz a um tema que tradicionalmente é pensado como um tema fechado, como um tema alheio ao interesse público. A ideia de criar essa frente parlamentar é mostrar exatamente que o tema da defesa não é alheio à sociedade, ele faz parte da sociedade. A gente depende inclusive de ter segurança nas nossas fronteiras para ser um país que efetivamente oferece segurança aos seus cidadãos”, explica a especialista.
“Ainda mais o Brasil, que é um país que sofre com vários problemas na área de segurança. Quando a gente pensa na segurança externa, quando a gente pensa em narcotráfico, em tráfico de armas, entre outras questões, inclusive na própria segurança da Amazônia, a gente está lembrando da área de defesa”, conclui.
As informações são do site Sputnik News.