Principal razão é a dificuldade de acesso ao crédito que enfrentam. No ranking de principais problemas, a elevada carga tributária foi a questão mais assinalada na década
O Panorama da Pequena Indústria (PPI) fez um balanço dos últimos dez anos e constatou que as pequenas indústrias apresentam insatisfação com a situação financeira há uma década. O principal fator é a dificuldade de acesso ao crédito que enfrentam. A pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) também mostra que a elevada carga tributária foi o problema mais assinalado pelas pequenas indústrias na série histórica. O levantamento traz ainda dados sobre o desempenho nos anos anteriores e as expectativas para os próximos meses de 2024.
“As pequenas indústrias são as mais penalizadas com as mudanças econômicas como, por exemplo, o aumento da taxa básica de juros. Também são as que tem menos disponibilidade de recursos para lidar com eventuais problemas. Por esses e outros motivos, os últimos dez anos não foram fáceis para as MPEs industriais e o Panorama detalha esse cenário”, explica a economista da CNI, Paula Verlangeiro.
Entre 2013 e 2023, os pequenos empresários industriais dos setores de construção e de transformação registraram dificuldade de acesso ao crédito em todos 40 trimestres analisados. O índice ficou abaixo da média histórica em 21 dos 40 trimestres para a indústria de transformação, enquanto ficou abaixo da média histórica em 24 dos 40 trimestres para a pequena indústria de construção.
Análise da situação financeira das MPEs industriais
Em 2016, o Índice de Situação Financeira marcou o pior resultado da série com 29,5 pontos, reflexo do aumento das taxas de juros, que atingiu o maior patamar do período no terceiro trimestre de 2015, 14,25% ao ano. De 2015 a 2019, o indicador teve altas e baixas, mas sempre se manteve abaixo da média histórica (38,4 pontos).
Só em meados de 2020 que o índice se recuperou e, inclusive, registrou o maior valor da série (43,1 pontos). Um dos motivos foi a criação dos programas de apoio e incentivo às MPEs para superar a crise de Covid-19, como o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC), que facilitaram o acesso ao crédito para os pequenos industriais.
Vale destacar que, apesar disso, o Índice de Situação Financeira nunca alcançou a marca de 50 pontos, que separa avaliações favoráveis de desfavoráveis. Isso se deve, principalmente, pela dificuldade de acesso ao crédito percebida em todos os segmentos.
“Por mais que os programas tenham oferecido um respiro, não foi suficiente para dizer que as pequenas empresas industriais estejam financeiramente bem e recuperadas. Uma das iniciativas que pode ajudar os empresários à acessarem o recurso certo é o Núcleo de Acesso ao Crédito (NAC), da CNI, que presta consultoria e orientação sobre linhas de financiamento por todo país”, reforça a economista.
E agora?
Em 2023, o aumento da inadimplência fez com que os bancos adotassem critérios mais rígidos para concessão de crédito, como exigir mais garantias, oferecer prazos menores e, inclusive, custos maiores. No segundo semestre do ano, o Banco Central começou a reduzir a taxa básica de juros, 0,5 ponto percentual em cada uma das quatro reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).
Embora a medida não produza efeitos imediatos para as pequenas empresas, já melhora a expectativa dos empresários, refletido no Índice de Situação Financeira, que apresentou aumento e fechou o ano com 42,2 pontos.
Elevada carga tributária foi principal problema nos 10 anos
O Panorama da Pequena Indústria traz o ranking dos principais problemas enfrentados pelas indústrias de pequeno porte em cada trimestre, segmentado por segmento industrial (transformação e construção) desde 2015.
Apesar das oscilações ao longo da década, um dos problemas que permaneceu com alto percentual de assinalações, independentemente do segmento, foi a elevada carga tributária. A metodologia do Panorama considera apenas o número de empregados por estabelecimentos (1 a 49 no caso de MPEs). Portanto, há empresas que não são tributadas pelo Simples Nacional na amostra e essas são, frequentemente, penalizadas pelo sistema tributário complexo e oneroso.
O Simples é um regime de tributação para MPEs, que permite o pagamento unificado de diversos impostos em uma única guia, como ICMS, ISS, PIS, COFINS, IRPJ, CSLL, entre outros. O cálculo é feito com base no faturamento mensal da empresa.
Taxas de juros e competição desleal também incomodam pequenas indústrias
No quarto trimestre de 2023, os principais problemas percebidos pelos pequenos empresários da indústria de transformação foram: elevada carga tributária, demanda interna insuficiente e competição desleal (como informalidade e contrabando). Esse último problema ganhou força desde 2021 e agora ficou na terceira posição. Isso evidencia a necessidade de promover uma concorrência saudável, com ações para coibir práticas que possam prejudicar a competitividade.
Para as indústrias de construção, do primeiro trimestre de 2021 ao terceiro trimestre de 2023, as taxas de juros elevadas sofreram aumento contínuo nas assinalações. O setor é diretamente afetado pelas altas dos juros, que prejudica tanto os empresários ao encarecer os recursos para projetos, quanto os consumidores por também dificultar o financiamento para aquisição de imóveis.
Confira, a seguir, a entrevista com a economista da CNI, Paula Verlangeiro.
O que as pequenas indústrias esperam para o futuro?
Durante a última década, as pequenas empresas industriais enfrentaram desafios, mas também tiveram algumas oportunidades e se mostram resilientes. Um dado que comprova isso é o crescimento do número de micro e pequenas indústrias, de 433 mil para 459 mil. Esses negócios empregam mais de 3,4 milhões trabalhadores formais e a soma do salário deles chega a R$ 85 bilhões por ano, segundo levantamento da CNI, com base na Relação Anual de Informações Sociais (RAIS).
O Índice de Confiança do Empresário (ICEI), que captura como o empresário percebe as condições atuais, quais são suas expectativas e, com essas informações, antecipa as mudanças e as tendências das atividades dos industriais, registrou 51,2 pontos em janeiro de 2024. O indicador está acima da linha divisória de 50 pontos, que separa confiança da falta de confiança.
“A confiança e as perspectivas estão melhorando, especialmente, por conta da redução da taxa de juros. Esperamos que essas melhorias ajudem a impulsionar o crescimento das pequenas empresas no futuro. Medidas em prol do ambiente de negócios, que diminuam a burocracia e que proporcionem um acesso melhor ao crédito são essenciais para a competitividade das pequenas empresas”, reforça Paula Verlangeiro.
Otimismo tem melhorado, mas ainda sinaliza cautela
Já o Índice de Perspectivas da Pequena Indústria oscilou nos últimos dois anos em torno da média história (46,9 pontos) e demonstrava cautela dos empresários na hora de investir e contratar. Esse indicador sintetiza as expectativas de demanda por produtos, de número de empregados e de intenção para investimento para os meses seguintes. Agora, em janeiro de 2024, as expectativas começaram a subir novamente e o índice atual marca 49,4 pontos.
Esse aumento pode ser relacionado às medidas de apoio às pequenas empresas, como o programa Novo Brasil Mais Produtivo, que iniciou as operações em janeiro deste ano e pretende investir R$ 2 bilhões em 200 mil MPEs brasileiras; e o Programa de Apoio à Competitividade das Micros e Pequenas Indústrias (Procompi), que vai injetar R$24 milhões em soluções que reduzem custos e aumentam a competitividade das pequenas indústrias até 2026.
Sobre o Panorama da Pequena Indústria
O Panorama da Pequena Indústria é uma pesquisa elaborada pela CNI, que apresenta e avalia quatro indicadores: Índice de Desempenho, Índice de Situação Financeira, Índice de Perspectivas e o Índice de Confiança do Empresário Industrial (ICEI) para a pequena empresa. Além disso, a pesquisa traz o ranking dos principais problemas enfrentados pelas MPEs em cada trimestre.
Todos os índices variam de 0 a 100 pontos. No caso do ICEI, valores acima de 50 pontos indicam confiança do empresário e quanto mais acima de 50 pontos, maior e mais disseminada é a confiança. Valores abaixo de 50 pontos indicam falta de confiança do empresário e quanto mais abaixo de 50 pontos, maior e mais disseminada é a falta de confiança. Para os demais índices, quanto maior o valor, melhor o resultado.
A composição dos índices leva em consideração itens como volume de produção, número de empregados, utilização da capacidade instalada, satisfação com o lucro operacional e situação financeira, facilidade de acesso ao crédito, expectativa de evolução da demanda e intenção de investimento e de contratações.
A pesquisa é divulgada trimestralmente e cada edição consulta cerca de 900 empresários de indústrias de pequeno porte de todo país.
As informações são da Agência de Notícias da Indústria.