Ontem pela manhã teve início, em Salvador, a 1º InovaBIDS, evento que nasceu com o objetivo de dar espaço para a inovação e as novas tecnologias da indústria de defesa e segurança. A primeira edição da InovaBIDS está sendo promovida pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (ABIMDE), em parceria com o SENAI CIMATEC, e com o apoio da FINEP.
Entre as autoridades presentes na abertura, destaque para o comandante do 2º Distrito Naval, vice-almirante Antonio Carlos Cambra; o chefe do Centro de Desenvolvimento de Sistemas do Exército Brasileiro, general de divisão Eduardo Wolski; o presidente-executivo da ABIMDE, general Aderico Mattioli; e o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários do SENAI CIMATEC, Tarso Nogueira.
Na abertura, o pró-reitor destacou o ano de grandes realizações do CIMATEC, com a implementação de grandes projetos, como o CIMATEC Sertão, o CIMATEC Mar, e o CIMATEC Aeroespacial, fruto da parceria da Força Aérea Brasileira com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado da Bahia.
Ele disse que, em 2023, o CIMATEC atingiu a marca histórica de ser tornar a maior ICT (Instituto de Ciência e Tecnologia) do país, com mais de R$ 1,2 bilhão em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. “Hoje estamos envolvidos em mais de 120 projetos, dos mais variados portes e em diversas áreas do conhecimento”, revelou.
O general Mattioli apresentou-se na sequência, destacando que um país com a magnitude geoestratégica do Brasil demanda poder de dissuasão. “Esse poder se baseia em duas vertentes: tropas bem adestradas e equipadas, e sustentabilidade, que na estatura que temos, demanda uma base industrial pujante”.
Em seguida, o general Mattioli falou sobre a Mostra BID, que acontece nos anos pares e dá grande visibilidade aos produtos da base industrial de defesa. “Surgiu a ideia de colocarmos na vitrine, nos anos ímpares, as demandas que temos na base industrial de defesa e as oportunidades que o nosso sistema de ciência e tecnologia tem para interiorizar as capacidades de defesa”.
O presidente-executivo da ABIMDE esclareceu que o Sistema SENAI está bem estruturado, com 28 centros de excelência que estão integrados, razão pela qual, “a associação está se aproximando deste sistema porque vai saciar a sede por inovação incremental e inovação propriamente dita da base industrial de defesa”.
Robótica e inteligência artificial
A primeira apresentação foi do professor doutor Lucas Cruz da Silva, que falou sobre sistemas autônomos e inteligência artificial. Ele realizou sua palestra acompanhado pela plataforma quadrúpede terrestre adquirida pelo CIMATEC, para mostrar a complexidade da tecnologia que faz parte do dia a dia da instituição.
Lucas Silva abordou alguns projetos desenvolvidos para clientes industriais, reforçando que o papel do SENAI é impulsionar a indústria. Em sua ministração “Robótica e inteligência artificial”, destacou que estes dois elementos ligados à “visão computacional” permitem que sistemas robóticos desenvolvam novas atividades em espaços de trabalho tradicionais. São temas diferentes, mas que estão interligados.
O engenheiro também trouxe alguns exemplos de projetos de sistemas autônomos com inteligência artificial que são desenvolvidos no SENAI CIMATEC, desde que foi criado o setor de robótica 10 anos atrás.
Entre eles, foram mostrados os projetos com robôs terrestres, submarinos e robôs moles. O FlatFish, por exemplo, é um veículo autônomo submarino residente que faz a inspeção de instalações submarinas da indústria de óleo e gás. Outro projeto, o Subot, realiza tarefas de inspeção em instalações de alta tensão em subestações para substituir a presença do operador em áreas de risco. E, por fim, falou sobre os Soft Robots, projeto de manipuladores moles, ou braço robótico, para ambiente seco e subaquático, para inspeção em locais de difícil acesso na indústria de óleo e gás.
Tecnologias quânticas
Já o professor doutor João Marcelo Silva Souza, também dos quadros do CIMATEC, falou sobre o futuro da inovação, destacando a pesquisa na área de tecnologia e computação quântica.
O tema, segundo ele, está na vanguarda do que será a nova revolução industrial, que requer atenção especial do setor de defesa. Em sua apresentação, analisou os paradigmas da indústria, pelo fato de muitas tecnologias ainda estarem em desenvolvimento, com muitos desafios, como a fabricação, geração dos estados, estabilização dos fenômenos, manipulação da informação e confiabilidade dos dados.
“É necessária uma indústria que comece a produzir estes componentes para que seja possível tirar proveito do que as tecnologias quânticas podem oferecer, vai ser um casamento entre a demanda e a necessidade”, explicou.
O professor disse que, ao invés de esperar 20 anos por esta demanda, é possível começar estabilizando a tecnologia, fazendo ferramentas novas de produção, avançando em cabeças de séries para que em seguida se comece a produzir em larga escala.
“Em paralelo, pode ser iniciado um processo de prova de conceito, usando o que já existe de disponível, avança-se para alguns protótipos, para que se comece a ter uma noção da tecnologia plena. Não é simples, mas existe esta necessidade de avanço passo a passo, entendendo, construindo e, também, trazendo valor aos poucos. A computação quântica é a sucessão da computação”.
Como exemplo, João Marcelo revelou que existe uma versão do computador quântico no Brasil para fins acadêmicos, adquirida pelo Senai São Paulo, mas ainda é um item em desenvolvimento, que está sendo estabilizado, pois para operar o equipamento são necessárias temperaturas criogênicas, próximas de zero.
Capacidades tecnológicas portadoras de futuro
A primeira mesa-redonda da programação abordou o tema Metamateriais e Materiais Avançados, e contou com a participação da analista de mercado da área de Defesa do SENAI CETIQT, Renata Monteiro; do professor doutor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Cleber Zanchettin; e do diretor-geral do MackGraphe e professor titular na Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor doutor Benedito Aguiar Neto.
Inicialmente, o professor Cleber Zanchettin, apresentou o Centro de Informática de Recife, vinculado a Universidade de Pernambuco, um dos mais renomados centros de ensino e pesquisa em computação do Brasil e da América Latina, e suas capacidades de formar pesquisadores em diversas áreas do desenvolvimento tecnológico.
A seguir, o pesquisador da UFPE apresentou todas as potencialidades da computação – e em particular da inteligência artificial – no desenvolvimento de pesquisas em materiais avançados, na medida em que esse recurso pode acelerar em larga escala todo o processo de testagens iniciais de conceitos.
Na sequência, Renata falou sobre o SENAI CETIQT – Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil, localizado no Rio de Janeiro, que tem atuação em três áreas: como Instituto de tecnologia têxtil e de confecção; como unidade de educação, com cursos técnicos, de graduação e pós-graduação; e o Instituto SENAI de Inovação.
Nos últimos cinco anos, o CETIQT tem uma área dedicada a coordenação de projetos estratégicos de defesa e segurança. Renata explicou que houve um consenso de que a área militar deveria ter um setor exclusivo, na área de fardamento e vestimentas, e percebeu-se a necessidade de ser criado um elo entre o corpo técnico do SENAI e a indústria, reunindo estes três players.
Como exemplo dessa parceria, Renata apresentou um trabalho que vem sendo realizado pelo CTIQT em parceria com o Corpo de Fuzileiros Navais, na busca de melhorias funcionais nos uniformes de combate.
“Parece simples, mas temos muita tecnologia neste fardamento, é um dos uniformes mais completos utilizados hoje pelos nossos fuzileiros navais com tecnologia 100% nacional, o primeiro adquirido através da lei de Defesa”.
Por último, o professor doutor Benedito Aguiar, iniciou sua apresentação com informações sobre o a origem e o atual estágio de desenvolvimento do Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias.
A seguir, falou sobre o conceito de metamateriais, elementos artificiais que não são encontrados na natureza, e materiais avançados, que possuem propriedades e características superiores em relação aos convencionais. Também abordou características do grafeno e seus derivados e aplicações de nanomateriais.
Entre os exemplos citados, demonstrou oportunidades na área naval, aplicáveis ao projeto de submarinos, e de material nanoestruturado para blindagem em coletes balísticos.
Capacidades Tecnológicas Portadoras de Futuro
Na parte da tarde, a programação incluiu a sessão temática “Capacidades Tecnológicas Portadoras de Futuro”, com a participação da professora doutora Fernanda das Graças Corrêa, coordenadora-geral do Departamento de Ciência, Tecnologia e Informação (DCTI), da Secretaria de Produtos da Defesa (SEPROD), do Ministério da Defesa, e do chefe do Centro de Desenvolvimento de Sistemas do Exército Brasileiro, general de divisão Eduardo Wolski.
Na palestra “Ecossistema Quântico para Defesa”, a professora Fernanda apresentou uma proposta metodológica de fomento à criação deste ecossistema, que possa ser repetida e adaptável a qualquer área tecnológica de interesse da Defesa.
Fernanda destacou que o Sistema de Gestão do Conhecimento, do Ministério da Defesa, viabilizou o mapeamento de competências e capacidades, uma ferramenta de prospecção tecnológica criada para identificar, mapear e potencializar as ICTs que podem apoiar processos decisórios de autoridades do MD e do Comando das Forças Armadas.
Por sua vez, o general Wolski falou sobre o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, que conta com seis órgãos de direção setorial que fazem a gestão de setores de interesse da Defesa. Este departamento trata da área de pesquisa, desenvolvimento e inovação no Exército.
Em sua apresentação, fez uma análise das características dos conflitos atuais, como a guerra da Ucrânia, destacando que hoje é preciso maior velocidade nas ações; menor tempo para tomada de decisão; mais e novas tecnologias; mudança no campo de batalha, cada vez mais conectado; multiplicadores de ameaças, clima é uma ameaça crescente; e a 4° revolução industrial.
O general exemplificou ainda as tecnologias emergentes e disruptivas apontadas pela OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), entre elas, a inteligência artificial, a robótica e sistemas autônomos, as tecnologias quânticas e os sistemas hipersônicos.
Por fim, o general detalhou o Plano Estratégico do Exército, de 2020 a 2023, lançado com o objetivo de cumprir a Estratégia Nacional de Defesa e a Política Nacional de Defesa.
Soberania: PD&I em Defesa e Segurança
A última mesa temática do dia teve a participação do presidente-executivo da ABIMDE, general Mattioli, e do servidor da Secretaria de Produtos da Defesa, do Ministério da Defesa, Coronel Ilmar Victor Marinho Barbosa.
O coronel Victor iniciou sua apresentação mostrando definições de importantes conceitos de defesa, como soberania (poder supremo que não reconhece outro acima de si; domínio e poder), pesquisa e desenvolvimento, inovação e, extraídos da Política Nacional de Defesa, os conceitos de defesa nacional e segurança.
Outro ponto abordado foi a Portaria Interministerial MCTI/MD nº 819, que institui parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o Ministério da Defesa (MD), visando viabilizar soluções científico-tecnológicas e inovações para o atendimento das necessidades do País, atinentes à defesa e ao desenvolvimento nacional.
Além disso, o coronel Victor falou sobre a subvenção econômica para inovação para a base industrial de defesa, fruto da parceria entre o MCTI e o MD, com financiamento para duas linhas temáticas de pesquisa, tecnologias de defesa e Defesa, Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN), lançado em edital em junho do ano passado.
No fechamento da mesa temática, o general Mattioli fez considerações sobre o tema, destacando as capacidades do país, que está entre os 10 melhores do mundo em qualquer área do conhecimento científico. “Soberania significa tropas adestradas e equipadas, é o primeiro ponto. E capacidade de mobilização da segurança pública, que tem dualidade, e constitucionalmente, complementar”, explicou.
“Mas, para a estrutura geoestratégica de país não basta isso, tem quer ter a sustentabilidade, que está no seu cluster, na sua base industrial, nos seus sistemas de ciência e tecnologia”.
O general fez algumas observações comparando o Brasil a países que são casos de sucesso, como a Coréia do Sul, Finlândia, Noruega, que estão no topo das suas capacidades, não apenas porque investiram em educação, mas também porque alcançaram níveis de desenvolvimento sem que houvesse cerceamento, o que não é realidade no Brasil.
Mais uma vez, o presidente-executivo da ABIMDE exaltou a BIDS exemplificando que poucos países conseguem fazer um submarino, ou tem uma indústria de aviação que está em terceiro lugar no mundo, ou que fazem a integração de sistemas em um caça, além de capacidades na parte de satélites.
Mattioli apontou a falta de unidade de comando, falta de alinhamento entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, a falta previsibilidade orçamentária, a isonomia concorrencial como alguns óbices que ainda limitam o desenvolvimento e a sustentabilidade da BIDS.
“Apesar disso, conseguimos traduzir muitas coisas, aprendemos a manobrar dentro destes sistemas, e desenvolvemos determinadas capacidades, como já foi dito, da lei dos marcos de ciência e tecnologia, que hoje podemos fazer uma encomenda tecnológica e levar o produto até o lote piloto”, disse.
Ele explicou, ainda, que dentro da Lei 12.598 pode-se priorizar a aquisição de um produto nacional, e que outro meio de aquisição é o TLE [Termo de Licitação Especial], que nasceu em 2012, e que hoje está se consagrando. “Todas as sementes que foram plantadas estão frutificando e estamos alcançando os nossos objetivos”, reconheceu.