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Por Talita Zanelato Braga do Carmo

A Lei Federal n° 12.846/2013 ganhou recentemente um novo Decreto Regulamentador, o Decreto n° 11.129/2022, e com ele, mudanças relevantes foram implementadas. Em destaque para este artigo:

(i)           Refazimento da dosimetria do cálculo das multas com aumento dos valores em termos absolutos ampliando as hipóteses de incidência, devendo ser contabilizada por período a partir da data da prática do ato lesivo em si, e não mais pela data da prática do referido ato;

(ii)          Os percentuais máximos de descontos das multas poderão aplicáveis mediante avaliação de três cenários: a) se houver a comprovação da devolução espontânea pela pessoa jurídica da vantagem auferida e do ressarcimento dos danos resultantes do ato lesivo; b) se houver a admissão voluntária pela pessoa jurídica da responsabilidade objetiva pelo ato lesivo e c) quando o plano de integridade for anterior à prática do ato lesivo;

(iii)         Durante o Processo Administrativo de Responsabilização – PAR, a pessoa jurídica poderá apresentar seu programa de integridade para fins de atenuação das penalidades a serem eventualmente aplicadas;

(iv)         Os acordos de leniência ficam consolidado no novo Decreto, tendo como diretrizes: a) o incremento da capacidade investigativa da administração pública; b) a potencialização da capacidade estatal de recuperação de ativos; e c) o fomento da cultura de integridade no setor privado e o aperfeiçoamento dos programas de integridade com prazos e condições de monitoramento;

(v)          O Capítulo V do novo Decreto incentiva a instauração de programas de integridade e criação de boas práticas e condutas éticas preventivas, estabelecendo uma gestão de riscos na a) contratação com terceiros (fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários, despachantes, consultores, representantes comerciais e associados); b) contratação de pessoas politicamente expostas, incluindo seus familiares, estreitos colaboradores e pessoas jurídicas de que participem, e c) realização e supervisão de patrocínios e doações, nos termos autorizados pela lei.

O novo Decreto reforça ainda mais a necessidade de as empresas estabelecerem regras de Compliance, buscando diretrizes para condutas permanentes de honestidade, lealdade, transparência, boa-fé e responsabilização, e desta forma, contribuindo para os seus pilares da Governança Corporativa que se conectam direta ou indiretamente com a Administração Pública enquanto fornecedora de produtos e serviços, algo existente a décadas em outros países.

Políticas de Compliance são capazes de alterar o comportamento institucional das empresas, com uma mudança relevante de cultura, mas isto nada significa se não houver um real comprometimento da alta administração da empresa (top of mind commitment) nesta mudança. Neste passo, o Dr. Thomaz Carneiro Drumond destaca que “mais do que comportamento temporário, é uma cultura a ser vivenciada pela empresa, que a encoraje não só a cumprir as normas legais, mas que estimule o alto escalão e os colaboradores a perceberem os benefícios que se originam da prática de tais comportamentos éticos.”

Para empresas maiores de capital aberto, por exemplo, há uma maior tendência de se reconhecer tanto o valor nos processos de controles internos, quanto a credibilidade que o Compliance pode trazer para a reputação da sua empresa no mercado. Este reconhecimento não parece estar tão presente quando nos referimos a empresas de capital fechado e com estruturas societárias mais simples. Tanto é assim que o novo Decreto determinou que a Controladoria Geral da União fara edição de normas específicas que serão aplicáveis a Microempresas (ME) e Empresas de Pequeno Porte (EPP).

Nesse mesmo caminho, os próprios Estados da Federação passaram a criar Leis Estaduais instituindo a obrigatoriedade a programas de integridade, inclusive criando Comissão de Certificação própria do Programa de Integridade, caso a empresa não tenha implementado políticas equivalentes, legislação essas que precisaram ser eventualmente readequadas conforme o novo Decreto.

Atualmente, a maioria dos Estados possuem medidas de Certificação e Fiscalização dos fornecedores de produtos e serviços em Programas de Integridade e Anticorrupção. Vejam alguns exemplos:

 

Estado Norma Assunto
Alagoas Decreto 48.326/16Lei Anticorrupção
Amazonas Lei 4.730/18Institui a exigência do Programa de lntegridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado.
Bahia PL 22.614/17Institui a exigência do Programa de lntegridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado.
Ceará Lei 16.192/16Cria o Programa Estadual de Fortalecimento ao Controle Administrativo
Distrito Federal Decreto 37.296/16 (Atualizado pelo Decreto 37.766/16)Lei Anticorrupção
Distrito Federal Lei 6.112/18 (atualizada pela Lei 6308 de 13/06/2019)

Decreto nº 40.388/2020

Obriga a implementação do Programa de Integridade em todas as empresas que contratem com a Administração Pública do Distrito Federal
Espírito Santo Decreto 3.956-R/16 (Atualizado Decreto nº 3971-R/2016)Lei Anticorrupção
Espírito Santo Lei 10.793/17Determina que as empresas que firmarem contrato com a Administração Pública Estadual deverão seguir o novo Código de Conduta e Integridade a ser observado pelos fornecedores de bens e serviços.
Goiás Lei 18.672/14Lei Anticorrupção
Goiás Lei 20.489/19Cria Programa de Integridade a ser aplicado nas Empresas que contratarem com a Administração Pública do Estado de Goiás
Maranhão Decreto 31.251/15Lei Anticorrupção
Minas Gerais Decreto 46.782/15 (Atualizado pelo Decreto  4775/2019)Lei Anticorrupção
Mato Grosso do Sul Decreto 14.890/17Lei Anticorrupção
Mato Grosso Lei 11.123/2020Institui o Programa de Integridade Pública do Governo do Estado de Mato Grosso para todos os órgãos e entidades da Administração Pública, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Estadual, fomentado e fiscalizado pelo Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção.
Pará Decreto 2.289/18Lei Anticorrupção
Paraíba Decreto 38.308/18Lei Anticorrupção
Pernambuco Lei 16.722/2019 (Atualizada pela Lei 17.133/2020)Dispõe sobre a obrigatoriedade de implantação de Programa de Integridade por pessoas jurídicas de direito privado que contratarem com o Estado de Pernambuco
Paraná Decreto 11.953/2018Lei Anticorrupção
 
Rio de Janeiro Lei 7.753/17 (Atualizada pela Lei 15.600/2021) Decreto 55.631/2020 (Atualizado pelo Decreto 55.928/2021)Exige a implantação de Programa de Integridade às empresas que celebrarem contrato ou convênio com a administração pública
Rio de Janeiro Decreto 46.366/18Lei Anticorrupção
Rio Grande do Norte Decreto 25.177/15Lei Anticorrupção
Rio Grande do Sul Lei 15.228/18 (Alterada pela Lei 15.600/21)

Decreto 55.631/20

Lei Anticorrupção e Programa de Integridade em contratos com Administração Pública
Santa Catarina Lei 17.715/2019Dispõe sobre a criação do Programa de Integridade e Compliance da Administração Pública Estadual e adota outras providências.
São Paulo Decreto 60.106/14.

PL 498/2018

Lei Anticorrupção
Tocantins Decreto 4.954/13Lei Anticorrupção
Tocantins Decreto 6.105/2020Exige programa de integridade para empresas que contratem com a administração pública do Estado.

Com todo esses regramentos, a Nova Lei de Licitações (Lei Federal n° 149.133/2021), recentemente aprovada e em período de transição de sua vigência que acontecerá em 2023, acabou por refletir essa série de normas de implantação de Compliance nas empresas privadas, indicando em seus artigos a obrigatoriedade da existência de Programa de Integridade em licitações de grande vulto, sendo esta existência critério inclusive de desempate, a saber:

“Art. 25. O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento. […]

  • 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento.” (g.n.)

[…]

“Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: […]

IV – desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.” (g.n.)

Ainda, a mesma Lei se utiliza da existência de Programa de Integridade como item de análise quando da aplicação de eventual sanção ou reabilitação da empresa. Em destaque:

“Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

[…]

  • Na aplicação das sanções serão considerados: […]

V – a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme normas e orientações dos órgãos de controle.

[…]

Art. 163. É admitida a reabilitação do licitante ou contratado perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, exigidos, cumulativamente:

Parágrafo único. A sanção pelas infrações previstas nos incisos VIII e XII do caput do art. 155 desta Lei exigirá, como condição de reabilitação do licitante ou contratado, a implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade pelo responsável.” (g.n.)

Com todas essas disposições Estaduais e Federal, sem contar as legislações municipais, fica clara a importância da implantação de Compliance para as empresas diretamente fornecedoras ou prestadoras à Administração Pública, bem como, para os seus parceiros de negócio e fornecedores, “tendo em vista que as pessoas podem escolher regras pessoais para atingimento de metas independentemente do tipo de negócio. Porém, sempre aparecerá alguém oferecendo vantagens para conclusão de certos negócios, pois deve haver um bom controle e processo de monitoramento permanente desses elos de relacionamento com a empresa”, segundo Marcos Assi[i].

Considerando a multidisciplinariedade de áreas para se criar os Programas de Compliance, Marcos Assi[ii] lista as seguintes análises iniciais para que as empresas comecem a avaliar o exercício da função [iii]de Compliance:

  • Emissão de normas, políticas e regulamentos internos.
  • Efetuar a pe squisa diária de legislação aplicável às atividades da organização no que se refere à atividade de compliance.
  • Realizar teste de eficiência de compliance em operações, procedimentos e cadastros.
  • Elaborar teste de aderência de compliance, anualmente, com os gestores responsáveis pelos processos.
  • Monitoramento e implementação de mecanismos de controles internos vinculados à gestão de compliance.
  • Revisão dos processos de controle de pendências cadastrais e documentação referente ao conheça seu cliente – know your customer (KYC), conheça seu fornecedor – know your supplier (KYS) e conheça seu funcionário – know your employee (KYE).
  • Criação de controles operacionais e sistêmicos e testes para prevenção e detecção à lavagem de dinheiro, principalmente para organizações com órgãos reguladores na supervisão.
  • Proposição e apoio na elaboração de treinamentos diversos, dentro de sua área de atuação e de acordo com as necessidades da empresa e do staff.
  • Desenvolver e implementar mecanismos de apoio por meio de relatórios de performance aos executivos da organização para subsidiar decisões no comitê de compliance.

Se a alta gestão não for capaz de responder a esses itens, ponderar é preciso para entender como essa alta gestão poderá ser aprimorada.

Talita Zanelato Braga do Carmo. É advogada especialista na área de Direito Societário e Compliance. Sócia do escritório Zanelato Braga Advogados (www.zanelatobraga.com.br)

[i] Assi, Marcos. Governança, Riscos e Compliance: Mudando a Conduta nos Negócios (p. 95). Edição do Kindle.

[ii] Op. Cit., pp. 101-102.

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